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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A Dama da Espada, parte 5.

Um homem baixo e magro, com os cabelos bem presos atrás da cabeça num desgrenhado coque, revelando uma proeminente e lisa testa. Assiste ao evento que se desenrola no pátio. A princípio, em nada ele se destaca da multidão, apesar de parecer ser mais jovem do que é, com poucas rugas de preocupação no rosto, de olhos apertados como os de uma raposa e sobrancelhas longas e finas, ele traja um kimono simples como de qualquer outro camponês. Que chega até a altura de suas coxas e nada para cobrir as pernas. Este homem atende pelo nome de Konichi e ele acaba de assistir ao espetáculo que se desenrolou no pátio boquiaberto. Até participou um pouco, fingindo ser um cidadão super reverente com os samurais tentando ir ao encalço da fugitiva, mais atrapalhando-os com seus exagerados maneirismos do que ajudando. Pensando agora ele abusou muito da sorte fazendo isso. Um dos samurais que impediu - um homem alto e forte que usava um jingasa de ferro e um poderoso Yari - o olhou com olhos homicidas e quase o espeta com aquela lança enorme.
Já ouviu falar de samurais matando camponeses por menos, graças a Daikoku ele sempre foi bem sortudo. Konichi decidiu não voltar para casa agora, apesar da instrução dos guardas para fazer isso. Sua casa ficava no norte da vila, exatamente para onde a ronin fugiu, e ele não queria se deparar com aquele samurai alto novamente. No lugar decidiu ir para a casa de sake, apostar com o pessoal local se a ronin conseguiria fugir ou não. Quando a nobreza foi eliminada de Toshi no Higo a 20 anos, apenas os muito jovens ou os muito velhos ficaram na cidade, como resultado a juventude acabou se degenerando na delinquência do jogo. Dados e apostas eram os preferidos de Konichi.
Ao chegar no estabelecimento, encontrou várias pessoas fazendo o mesmo que ele, Konichi decidiu apostar na fuga bem sucedida da ronin. Era uma aposta mais voltada pelo orgulho do passado da vila e do sentimento nostálgico do que baseado na realidade. A ronin poderia ser muito bem a filha dos antigos senhores, como muitos diziam. A idade parecia ser certa, e os olhos eram inconfundíveis. Se bem que os velhos exageraram com a história de que os olhos eram "tão azuis que podiam cegar", tá tudo bem, eram azuis, mas só dava para perceber a luz do dia, na sombra podiam parecer como de qualquer outro, pois eram de um azul escuro.

 A casa estava cheia de apostadores, inclusive uns guardas da cidade participavam. A conversa meio que apreensiva, meio que animada foi interrompida pela entrada de uma pessoa, um homem nos seus 50 anos de um braço só e manco chamado Kaioku, ele levanta o poderoso braço como se quisesse falar. Mais conhecido como Braço Forte, pois era lenhador e mesmo em suas condições fazia questão de ficar em forma. Kaioku viajava muito pelas redondezas, pois intermediava a venda de vários tipos de madeira pelas cidades vizinhas e ouvia muita coisa de fora, qualquer coisa que ele tivesse a dizer era novidade na cidade, e as pessoas ouviam o velho desgrenhado com atenção. Kaioku começou a falar o que ouviu dizerem sobre a ronin nos arredores:

- A garota se chama Mizumi, a Dama Andarilha, dizem que vive numa floresta junto com os espíritos das matas que a adotaram e a criaram! Ela impressiona a todos onde vai, pela sua nobreza e espírito bondoso e também pelo seu impressionante poder marcial, dizem que ela nem precisa lutar para vencer uma luta! Já foi Miko no grande templo de Wasa, onde encantou muitos devotos com sua educação e polidez. Nunca falou que era samurai, mas pela postura dela ninguém duvidava! Nas suas andanças, quando chegou a Kuboka, foi direto ao Dojo de espadachins Higoi pedir para ser estudante. E com uma espada de madeira venceu o melhor estudante de lá que usava uma espada de ferro! Ajudou muitos camponeses nestas duas cidades, uma ronin que se comporta como uma monja, hah! Colocou um bom bocado de samurais abusados para correr, eu digo a vocês! Por algum desígnio viajou para cá a procura de respostas, e rapidinho atraiu samurais Kora dispostos a manter a infame promessa de 20 anos viva! O homem abaixa seu braço para beber um copo de sake, enquanto ele sorve as pessoas gritam com ele e o cutucam para que ele acabe logo com o gole e diga qual é a promessa infame. Depois de levar um cutucão que quase derruba sua bebida ele continua:

- Tá bom, tá bom! A promessa é: “Higoi nenhum da casa dos Higo deve voltar para Higo no Toshi sobre pena de morte”. E o que é Mizumi senão um disfarce para Muzumi, a filha de Muzubushi e Mayumi, que dizem banida e morta 20 anos atrás? Eh!? A criatura é uma Higoi dos Higo, e está de volta em Higo no Toshi! Nosso passado, meus amigos, não morreu, está bem vivo e saudável!

Muitos gritaram em aprovação, alguns mais prudentes ficaram quietos, pois afinal, os samurais que vieram suprimir qualquer rebelião estavam por perto, Konichi foi um dos que, prudentemente não falou nada, embora por dentro ele gritasse. Algo chamou atenção de Konichi, no entanto. Um sujeitinho pequeno e desgrenhado sentava-se no canto, ofuscado pelas sombras da coberta e pela luz do por do sol. Seus cabelos desgrenhados e seu longo e fino bigode pareciam chamuscados pela luz do sol que o encobria. Seu peito musculoso e sem pelos era mal encoberto por um casaco sem mangas cru e surrado. Uma coisa Konichi sabia, ele estava o encarando diretamente. Até que o pequeno homem abriu a boca e falou com ele, suas palavras chegando a Konichi nitidamente, como se ele estivesse as sussurrando direto no ouvido (ou dentro da cabeça!), mesmo estando a certa distância, e ninguém mais parecia ouvi-lo. "Konichi, abençoado de Daikoku", disse o anão com uma voz forte retumbante ao mesmo tempo que suave, "vá encontrar meu comparsa, Wisengachi em sua casa e ajude a nossa pequena dama a fugir em segurança desta armadilha."

 Konichi não soube porque, estava assustado demais para pensar direito, mas logo se pôs a correr até a sua casa, onde tinha certeza que encontraria um certo Wisengachi, que sabia ser um homem pequeno e gordo, trajando ricas roupas de artesão, um longo e fino nariz e mãos e pés pequenos. Konichi sabia como o tal Wisengachi era sem nunca ter o visto em sua vida! Mas a imagem do homenzinho a porta de sua casa era nítida em sua cabeça como o dia. Ele estaria tentando convencer sua mulher de que queria ajudar e a discussão dos dois estava a ponto de chamar atenção indesejada de vizinhos que poderiam eventualmente ver a cena de batalha e chamar os guardas. Sabia também que ele chegaria a tempo de evitar o pior e que ele ajudaria a Pequena Dama em sua fabulosa fuga. Só não sabia como tanta informação poderia estar clara em sua cabeça. Assustado demais para pensar nos porquês, se colocou a correr.

 Glossário de Termos:

Daikoku: Um dos vários deuses de Ryuu-Tazai. Daikoku é o deus da fortuna e prosperidade.

Sake: Bebida alcoólica fermentada, geralmente, do arroz.

Yari: Uma lança.


Parte 6
Parte 4