Mizumi não sabia se havia sido capturada ou se havia sido
salva, o gesto não violento da última pessoa que viu lhe tirou toda a vontade
de lutar e se entregou ao cansaço.
Acordou num sobressalto dolorido, seu corpo inteiro estava
duro e insensível, faixas, ataduras e emplastros a cobriam pelo corpo todo,
duas crianças, um menino e uma menina, a observavam com olhos bem arregalados.
Mizumi tentou se levantar apenas para sentir uma forte dor na perna. "A
onna-sama deveria permanecer descansando", disse a menina de cabelos
negros amarrados num rabo de cavalo pequenino e infantil, o garoto, que pela
aparência só podia ser o irmão da menina, aparentava ter a mesma idade (Seriam
gêmeos?). Ambos possuíam o mesmo penteado, os mesmo olhos castanhos quase do
mesmo formato, a diferença dos dois é que um usava roupas masculinas e a menina
usava roupas femininas. O irmão se colocou de pé e correu para a porta do
simples quarto em que se encontravam. "Misako-chan, não deixe ela mover
nem um dedo, vou chamar nossa mãe!"
O menino fecha a porta e desaparece. Um curto tempo se
passa, quando uma mulher de meia idade que obviamente se preocupa com aparência
como indica seu elaborado penteado e uma discreta, mas bem aplicada maquiagem
entra no quarto ajudando uma senhora de muita idade, com o rosto todo enrugado
e olhos bem apertados no cenho. Sua boca faltando dentes se movimenta como se
estivesse falando sozinha, sua postura encurvada e o peso que ela joga em uma
bengala e no ombro da outra mulher indicam que ela possui grandes dificuldades
de andar sozinha.
Mizumi agora se
lembra da mulher mais nova, que falou para ela que lhe colocaria a salvo e
entendeu que aquela conversação realmente ocorreu e que agora deveria estar
dentro da casa dela. Isso significava que ela estava entre amigos, mas também
que eles corriam grande perigo a abrigando. Antes de algum membro da família
falasse alguma coisa, Mizumi ignora as dores e a forte febre ao se sentar na
cama.
- Não tenho palavras para agradecer o socorro que me
prestaram e a calorosa hospitalidade – Fala Mizumi meneando a cabeça em
agradecimento. - mas não posso ficar mais nenhum minuto aqui, pois minha
presença coloca a vida de vocês em perigo, e não posso permitir isto.
A velha senhora se desvencilha de sua filha e a empurra para
dentro do quarto, em um movimento desequilibrado, ela se segura no batente da
porta, a bloqueando, enquanto crava firme a bengala no chão.
- A não ser que você derrube uma velha senhora no chão, você
não irá para lugar nenhum! - Exclama a velha senhora com um humorado olhar
desafiador - Heh! Seria divertido ver uma mulher quase morta tentando derrubar
uma velha senhora que mal pode andar! Mas chega de bobagens! Responda-me uma
coisa, você é a Pequena Dama, Higoi Muzumi?
Mizumi percebe que a velha não tem mesmo intenção de sair da
frente da porta, a menina a segura na perna e a olha suplicante para relaxar, o
garoto está atrás da velha, observando-a, e parece que também tem intenção de
não deixar passa-la. A mulher está arregaçando as mangas, como se preparasse
para ação. Mizumi nota também os curativos no corpo (um deles já se
avermelhando pelo esforço que ela fez para se sentar) e que ela está limpa e
seca. Parece que aquelas pessoas se deram ao trabalho de banha-la e tratá-la,
sem sequer ter certeza de quem era ela. O mínimo que ela poderia fazer é saciar
suas curiosidades e permanecer na companhia deles, se eles assim quisessem. Pelo
menos até ela os convencer do perigo que passam a abrigando lá.
- Muito bem - A ronin aquiesce com um balançar da cabeça -
Me chamo Mizumi, e não sou essa Higoi Muzumi que dizem. E o mais importante,
não sou dama, quanto mais pequena. Mas agradeço muito pelo que fizeram por mim,
mas temo que tenham se arriscado por alguém que não é quem vocês pensam, não
sou senhora de ninguém a não ser de mim mesma e esta cidade não deve nada a
mim, me desculpem!
Todos no quarto parecem confusos, menos a velha, que não
parecia convencida.
Mayuki |
Mizumi está sentindo frio, muito frio e sua cabeça fervilha
de preocupações. Aquela é Obayuki! A doce velhinha que a deixava ficar em seu
pátio - pátio que agora tem quatro samurais inconscientes, se não mortos, em
frente a casa da família dela. Mizumi percebe em meio a sua febre que não tem
tempo de tentar convencer aquela família a deixa-la ir, pois logo irão vir
procura-la e aquela família iria pagar se ela fosse encontrada lá. Mizumi já ia
esboçar sua linha de pensamento (que agora se repete e se confunde em sua
cabeça) quando um som lá fora chama sua atenção, parece ter sido uma pancada.
Mizumi se põe de pé em um salto.
- Preciso ir! Me desculpem, não quero lhes fazer mal! Me
deixem ir!
Mas ela está tão fraca e febril que apenas a mulher Mayuki
consegue lhe impedir, lhe agarrando pelos braços, a menina Misako a segura por
uma perna. Mizumi se sente cada vez mais esquisita, o rosto discretamente
maquiado de Mayuki roda em sua frente e de repente tudo fica escuro a sua
volta.
Obayuki esperava que a garota tivesse a resistência e a
decisão dos Higo, por isso alertou sua filha para se preparar para contê-la lá.
Após Mizumi desmaiar de febre, Obayuki ordena que Mayuki trouxesse ensopado e
que Mizako trouxesse água. Obayuki se senta em frente a convalescente garota e
abre sua bolsa de medicamentos que carrega consigo. Separa os ingredientes
necessários para fazer aquela febra baixar e começa a trabalhar, quando todos
ouvem alguém bater na porta. Uma voz estranha vinda de fora ecoa abafada até o porão
da casa.
- Olá, bom dia! Alguém em casa pode me deixar entrar?
Mayuki chega com o ensopado com o rosto contorcido de
preocupação, ela fala meio que sussurrando meio que gesticulando para a mãe.
- Tem alguém lá fora! E ele me viu!
- Então vá para lá e atenda! Faça com que ele vá embora!
Retruca a velha Obayuki sem tirar os olhos de seu trabalho.
Mayuki está muito nervosa, quatro samurais estão lá fora
mortos ou muito feridos, e certamente este estranho viu os corpos! Para piorar
as coisas eles abrigam a fugitiva que escapou de uma execução e derrubou
aqueles soldados! Mayuki tenta se acalmar e vai ter com o estranho homem, ela
fará o melhor que ela puder para fazê-lo ir embora sem levantar suspeitas, que
seus anos como Maiko compensem agora!
Glossário de Termos:
-chan: Sufixo carinhoso usado com mulheres e crianças.
Significa algo como querido ou “-inho”, “-inha”.
Kemari: Jogo de bola muito popular em Ryuu-Tazai.
Maiko: Aprendiz de gueixa.
Onna: Termo de tratamento para mulheres, algo como senhora
ou senhorita.
-sama: Termo de tratamento usado como sufixo que indica respeito
a uma autoridade ou a um superior.
Parte 5
Parte 5