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segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Dama da Espada, parte 7

Prefácio: Faz um bom tempo que não dou continuidade a história Dama da Espada, que deixou de ser um simples conto lá pela parte 3 ou 4. Mas aí está! A parte 7. Se quiser dar uma recapitulada na parte 6, clique aqui. Se você é daqueles que acredita que recordar é preciso, ou não leu nada ainda da Dama da Espada, a parte um está neste link.

Espero que gostem!

***
Dama da Espada

A arte da enganação não é algo para ter orgulho. On - sinceridade – é a arte de falar a verdade sem embaraçar ou ofender quem a ouve. Já enganação não é nada disso, você fala uma inverdade na esperança dela seja interpretada como verdade. Mas a enganação seria um ato tão desonroso assim?

Um soldado em um castelo cercado a semanas que brada que não tem fome, mesmo a comida tendo acabado dias atrás. Com a intenção de levantar a moral de seus aliados está sendo desonroso?

Uma pessoa que diz não ter medo frente ao desespero para acalmar seus companheiros está se comportando desonrosamente?

Em sua adolescência, Masakane achava que nunca se valeria de enganação, pois suas palavras estariam de acordo com a realidade e a verdade. Como ele poderia ter sido tão inocente?

Date Masakane

Enganação é uma arma e uma armadura, não é a obrigação do samurai usar todas as armas à sua disposição?

O comandante Date se viu demonstrando força na fraqueza, alegria na tristeza, esperança no desespero, tudo em nome de seu senhor, de sua honra e de seu clã. E ele não se arrepende do uso da enganação nestes casos. Porém, recentemente, ele sentiu o amargor de tão perigosa arma.

Ooshibu, o senhor dos Higoi, começou uma guerra na esperança de esmagar seus inimigos, ao mesmo tempo em que aumenta seu poder e riqueza. Os detalhes de como ele conseguiu isso são nebulosos.

Tudo começou com Ooshibu insatisfeito com a importância dada à família no clã Kôra. Se valeu de uma antiga linhagem da família que fazia parte do clã Date, e usou isso para jurar lealdade aos Date “em nome da honra”. A família acabou entrando em uma guerra civil. Os Date se viram forçados pela honra de intervir em nome de um aliado e para por fim nas matanças, os Kôra intervieram com a força que tinham disponível para suprimir a rebelião e a guerra começou, maldita seja.

Masakane tem sua dose de segredos, e sabe que os Higoi se unindo aos Date servirão a um propósito maior do que o bem e o mal e maior que a honra, mas estar defendendo um vilão como Ooshibu é demais.
 
A lembrança lhe traz um risinho nervoso de desprezo, que transtorna ainda mais o rostinho da pequena garotinha de olhos azuis a sua frente. Apesar da juventude extrema, a menininha já entendeu que ele não iria machucá-la, mas que teria que fazer isso se ela gritasse. Por isso manteve-se quieta enquanto Masakane a olhava nos olhos. Aqueles misteriosos olhos azuis.

Masakane se convence de que as histórias que ouviu sobre o nascimento da Pequena Dama são verdade, a prova clara daquilo são os olhos da garotinha. De alguma maneira, aquela menininha fazia parte de sua família, por menos que isso fizesse sentido, ou pelo menos era abençoada por Yuye-no-Kami, isto estava claro.
Por dentro, Masakane começa a se ressentir dos crimes que cometeu em nome de seu clã. Apesar de envolto de legitimidade e "justiça", esta guerra é criminosa. Mas não há honra pensar sob este triste aspecto, então ele logo suprime este pensamento. É necessário decidir o que fazer com ela, e rápido.

     Entregá-la a Ooshibu está fora de cogitação, ele não quer dar mais esta vitória àquele covarde ambicioso, deixá-la ir para onde quer que ela esteja indo lhe parece o caminho mais correto, mas poderia significar um fracasso de sua parte, toda a culpa da fuga de uma pequena garotinha cairia nos seus ombros. Ele seria conhecido como o general que foi enganado por uma criança, e isto não podia acontecer. Após pensar rapidamente ele resolveu arriscar uma aposta.
- Garotinha, vamos. Você deve seguir à risca minha liderança, se quiser sair daqui viva.

Muzumi o olha com insegurança, mas não acha espaço para discussões no olhar decidido do general Date. Ela recua um pouco desconfiada do homem, mas este a contém segurando firme sua mão.

- Não solte minha mão. -Disse Masakane - Temos que fazer alguns preparativos primeiro, até lá não largue minha mão, pois não queremos levantar suspeitas para você, queremos? Vencida e exausta, a menina meneia a cabeça e o segue pela escuridão.

Masakane esgueira-se para fora do templo, os guardas só estão postados nos corredores a frente por ordem dele, então apenas uma patrulha está entre o corredor e os aposentos de Muzubushi, que ele os apropriou para si. Felizmente, não há ninguém melhor que Masakane para saber o momento exato em que a patrulha irá passar.
Muzumi


Em silêncio e despercebido, Masakane chega nos aposentos de Muzubushi, os únicos contratempos foram os de parar para exigir silêncio de Muzumi que de vez em quando ameaçava começar a choramingar alto. 

Os aposentos de Muzubushi e Mayumi são simples, se comparados aos aposentos de um senhor Date, mas bem mais elegantes que os de um senhor Kôra, espaçoso e limpo, com o tatami impecável e arranjos florais adornam a sala, enquanto painéis de caligrafia enfeitam as paredes. O quarto tem uma combinação de bom gosto entre praticidade, simplicidade e beleza.  

Quando entram no quarto, Masakane precisa reiterar a Muzumi que sua vida corre risco caso ela seja descoberta, pois ela começa a chorar alarmada com as lembranças que o cômodo traz. Quando ela finalmente silencia o choro, voltando apenas a choramingas, o general Date vai atrás do que veio a procurar no baú de roupas da criança. 

- Por quê? Por que matou papai? Por que matou mamãe? Muzumi questiona chorosa o seu captor enquanto este se ocupa selecionado o conjunto de roupas mais sem graça que consegue encontrar.

- Dever, Pequena Dama, dever. Responde Masakane ao separar um quimono preto de seda, mas velho e poeirento, provavelmente um favorito da garota que foi guardado como recordação. –O dever faz com que façamos grandes coisas, mas também nos faz fazer coisas más.

- Você é mau. Retruca a garotinha.

- É... Talvez eu seja. -Responde Masakane pensativo enquanto prepara a roupa e retira de suas coisas um embrulho com comida e suprimentos. – Agora venha cá, vou lhe trocar e lhe alimentar, você não vai conseguir fugir com fome ou com essas roupas chamativas, venha, deixe-me ajudá-la e mostrá-la que mesmo as pessoas más às vezes fazem coisas boas.
 
Glossário:

Kami: Deus

Tatami: Piso de chão

quimono: Traje no estilo japonês, no caso, Tazaiano.