O pequeno pátio não era tão grande quanto ela se lembrava e
seus muitos caminhos não eram tantos assim quanto ela esperava, havia apenas um
beco sem saída e uma ruela paralela ao que ela acabou de sair. Sabia que não
podia retornar por onde vinha, pois no caminho até o pátio estavam cheios com
seus perseguidores.
No caminho até o
pátio, a garota conseguiu derrubar dois perseguidores, mas o último samurai que
ela derrubou soltou um forte grito de dor antes que ela pudesse nocautea-lo. O
grito havia atraído um terceiro que se pôs determinado em direção ao som.
Quando um samurai de bigode encerado e rosto bastante enrugado apareceu, a
ronin o recebeu com um chute no peito que o desequilibrou e desferiu um forte
golpe com seu boken no ombro do samurai fazendo-o se ajoelhar numa perna, mas
ouviu outros se aproximando e não pode finalizá-lo, pondo a se movimentar para
o pátio de kemari, onde achava que podia ter o benefício do terreno conhecido.
Ao chegar ao pátio,
constatou que estava cercada. O pátio era cercado por casas muito apertadas uma
na outra, haviam uma outra rua paralela ao que ela veio, mas era bem provável
que os samurais estivessem subindo por ela também, uma rua maior ao norte entre
duas casa se provou apenas um beco sem saída com um cercado alto de madeira
impedindo a passagem. Haviam pequenas frestas entre as casas, mas eram muito
estreitas, talvez ela conseguisse se espremer através de uma delas, mas de nada
valeria. Se ela não se encalhasse no percurso, ela demoraria tanto que os
samurais poderiam conseguir cerca-la e simplesmente esperar ela aparecer numa
das extremidades e espetá-la.Se ela já não estivesse cansada, ela tentaria
muito bem pular aquele cercado, ou ira pela rua paralela, driblar o guarda e
continuar subindo, mas ela estava exausta de fugir. A ronin aprendeu desde
muito cedo a respeitar toda a vida e nunca desferir um golpe mortal, mas
brevemente pensou se isso seria prudente quando se visse cercada por quatro
samurais armados com lanças e espadas, mas pôs este pensamento de lado.
Não tendo mais para onde ir, decidiu fazer uma resistência
no próprio pátio, pelo menos até criar uma nova oportunidade para continuar sua
fuga, ela era apenas uma e eles eram pelo menos quatro, para vencer ela deveria
enfrentar um de cada vez, embora a situação tenha ficado complicada, pois foi
traída pela lembrança.
Ouviu um barulho vindo da ruela de onde havia vindo e se
preparou. Se aproveitando de um armador de roupas se ocultou e esperou o
samurai se aproximar, cedo o corpulento homem saia do corredor gritando.
-Sei que você está aí, apareça covarde!
A ronin respondeu com uma rasteira, nunca foi uma mulher
alta, seu pequeno corpo ficava ainda menor se comparado aos grandes samurais
Kôra, mas mesmo assim conseguiu prender os pés do samurai com sua perna
esquerda e empurrar os joelhos dele com sua perna direita. O samurai já com
equilíbrio comprometido por conta da pequena corrida que fez para alcançá-la
nada pode fazer para impedir a queda, caindo de cara no chão. A mulher
rapidamente rola por sobre o corpo do samurai e enterra o cotovelo em sua nuca,
fazendo o samurai perder os sentidos.
Mal se levantou, ela notou que outro samurai corria em sua direção e
ouviu outro subir pela rua paralela. Recuou para o centro do pátio e esperou.
O primeiro samurai apareceu, alto e magro para
um Kora, usando uma grande lança e um Chapéu cônico de ferro. Fazia calor e
dava para ver que ele suava por baixo da armadura, mas sorriu triunfante ao ver
a fugitiva encurralada. Logo o outro apareceu, gordo e musculoso espada na mão
e concentrado, apesar de estar bastante ofegante e empapado de suor pela
subida. A ronin toma uma posição de duelo, arrastando sua perna direita para
traz e inclinando-se sobre o corpo, sua mão direita repousava em cima do cabo
de seu boken, a palma da mão aberta, como se oferecendo um presente. O samurai
gordo se impressionou com aquela postura e recuou um passo, o outro apenas riu e
avançou com sua lança.
O Boken da ronin saiu num flash de seu obi, atingindo a
lança de seu adversário com tanta força que a partiu. O segundo golpe caiu com
força contra o jingasa de ferro do lanceiro, o deixando tonto e sem reação, mas
não o derrubando. A ronin aproveitou a desorientação do primeiro atacante para
se defender do ataque do segundo, aparou um forte golpe de katana com seu boken
e logo notou que o grande homem tinha muito mais força que ela. Decidiu tentar
cansa-lo um pouco se desviando de seus golpes e procurando confundi-lo, girando
ao redor do grande homem. O homenzarrão não conseguiu acompanha-la e abriu a
guarda, uma oportunidade que a ronin usou para ir por trás do guerreiro e lhe
acertar na axila. O golpe fez o homem cambalear para a frente, com uma careta
de dor. Mas neste ínterim o alto samurai já havia se recobrado e sacado sua
própria lâmina, avançando para cima da ronin, ela mau teve tempo de se desviar
do golpe rápido, foi quando recebeu seu primeiro corte no braço.
O guerreiro
mais corpulento já havia se recuperado e partiu para cima dela com dois golpes
rápidos de sua arma o primeiro a acertou na coxa, cortando a pele, mas o corte
foi tão leve que ela fingiu não ter sido atingida e se desviou do segundo. Por
um reflexo escapou da morte da lâmina do guerreiro de jingasa, que fez um longo
corte em seu flanco, que a teria atravessado se ela não tivesse rodopiado para
longe da lâmina. Seus ferimentos já estavam sendo sentidos e ela sabia que
tinha que acabar com aquilo antes de perder suas forças, então investiu para
cima do homem gordo chutando seus joelhos. O corpulento homem se curvou
tentando protegê-los, novamente abrindo sua guarda, foi quando ela plantou seu
boken na orelha dele com um poderoso ataque horizontal, fazendo-o perder a consciência
imediatamente e se largar no chão como um grande saco de batatas. No entanto, o
homem alto não estava satisfeito e a atingiu nas costas. Se não fosse o
movimento rápido e corpo esguio da moça ela estaria morta agora. A ronin
rodopia sob si mesma e se choca contra a porta de uma casa no pátio. Abaixou
sua espada de madeira para sinalizar que precisava de descanso, o alto samurai
concedeu, mas se preparou para abatê-la. A mulher se sentia tonta, seus
ferimentos cobrando de seu corpo, sua mente escapou para a imagem de seus pais
adotivos e tutores. - Haddan, Wisengashi, não posso morrer agora, tenho muito
que fazer. A ronin pensou enquanto recuperava forças.
Cambaleando e mancando o
terceiro samurai que ela falhou em nocautear aparece, com lança na mão e cara
enrugada com expressão de indignada dor. Enquanto o que estava derrubado no
chão recuperava os sentidos e se punha de pé. Ela encarou a todos fechou os
olhos e meditou, alterando seu estado de espírito, ela guarda seu boken e se coloca
em posição, corpo inclinado e mão direita no cabo do boken. O samurai alto
parte para cima dela e é recebido com um golpe que saiu com tanta velocidade
que ele mal o viu, tão pouco teve tempo de reagir. O boken esmaga o rosto do
alto samurai que não consegue completar seu golpe antes de cair. Os outros dois
partem para cima dela. O guerreiro enrugado joga sua lança contra a ronin, que
evita ser atingida em cheio se desviando, mesmo assim a lança a corta debaixo
da axila e se prende em seu kimono, a jogando novamente contra a castigada
porta da casa que está atrás dela. A ronin julga ter ouvido um gemido lá dentro
da casa e teme que a lança que atravessou a porta tenha feito uma vítima
involuntária. Os ferimentos da ronin são extensos, ela não sabe se seu corpo e espírito
vão suportar o restante da batalha, não vendo outra opção, ela cede a seu
último recurso, liberando toda sua energia de luta ao um grande kiai de guerra.
A dor e o corpo são esquecidos e a bruma vermelha que paira em seus olhos
substitui sua consciência.
***
Ainda via vermelho quando abriu os olhos, tudo aconteceu
brutalmente rápido. A lembrança do combate era forte em sua mente, algo que ela
nunca esquecerá. O cheiro da fumaça dos incensos de sua mãe se misturava com a
fumaça do fogo quando a porta do santuário foi aberta, Higoi Muzubushi recuava
para dentro enquanto cortava mais um inimigo com sua espada, o último de seus
guardas, mortalmente ferido com múltiplos cortes e perfurações pelo corpo
tropeça para dentro se colocando entre seu senhor e os inimigos e fechando a
grossa porta dupla de madeira do santuário com um estrondo, depois, não
suportando mais os ferimentos, cai no chão e não se levanta mais. Muzubushi
entra cambaleando olhando suplicante para sua mulher e pergunta
- E nossa filha?
-Ela está segura. Respondeu solene e resignada Mayumi
enquanto se levantava, Naginata na mão.
Muzubushi prometera fazer os Date se arrependerem de seu
ataque, viu uma oportunidade de cumprir sua promessa ao avistar o decorado elmo
prateado do comandante dos Date no mesmo salão da mansão em que ele e sua
guarda se encontrava, mas era uma oportunidade perdida no mesmo momento em que
surgiu, pois seus homens morriam ao seu redor, enquanto os homens dos Date
apenas aumentavam em números. Este ataque foi cruelmente planejado para
vencê-lo, justo em um momento em que ele menos esperava um ataque daquela
magnitude no coração do território dos Higo. Ousado e fatal, Muzubushi teria
aplaudido, se a vítima não fosse ele, sua família e sua cidade.
Logo depois os resistentes portões do santuário são
derrubados e vários Date entram no salão, avançam para cima do casal, mas não
são páreos para a força e perícia de Muzubushi, nem para os golpes fortes e
precisos de Mayumi, caindo frente ao par a medida que se engajavam no corpo a
corpo. Quando o comandante deles entra acompanhado com mais um esquadrão de
samurais. Um homem alto, usando um Kabuto prateado decorado de formato ogival
que termina numa coroa de louros dourada com duas andorinhas douradas voando no
topo, sua armadura laqueada de azul e rosa resplandece brilhante embaixo de seu
kataginu branco, com uma espada ensanguentada numa mão e um lenço de seda limpo
numa outra. Seu rosto liso e belo com dois olhos azuis claros olhando fixamente
para Muzubushi.
– Eu, Date Masakane -
senhor comandante da frota Date e capitão da Gaivota Marinha, filho de Date
Kosakune e herdeiro da Baía das Carpas - o desafio, Muzubushi, para um duelo.
Enquanto fala Masakane limpa sua espada com o lenço, fazendo o trabalho com presteza,
mas sem em nenhum momento tirar os olhos do senhor de Higo no Toshi. - Se
aceitar sua mulher viverá e você será honrado como herói na sua derrota.
Muzubushi está ferido e cansado e sabe que certamente irá
perder o duelo, mesmo assim sabe que esta é a única chance que possui de pelo
menos cumprir sua promessa e colocar um gosto de cinzas na vitória dos Date.
Sabe também que é uma chance de pelo menos barganhar uma saída honrada para sua
família, cansado como está, sua família é tudo que importa no momento. Mas isso
não o abaterá, tão pouco demonstrará um centímetro sequer de fraqueza perante
inimigo tão digno de lhe tirar a vida.
- Você é um tolo, Masakane. Rosna Muzubushi. Fala como se já
tivesse vencido! Aceito seu duelo, desde que prometa que minha família será
deixada em paz, e que meu povo seja tratado com honra e cortesia!
- Assim prometo. Masakane fala enquanto termina de limpar
sua arma com o lenço e a guarda na bainha.
O duelo teve inicio, após os adversários andarem em círculos
se estudando, eles param de frente um para o outro para iniciar o derradeiro
embate. Muzubushi pratica sua postura, com a Katana a sua frente com a ponta
apontada para o adversário e posição inclinada sobre sí, arrastando para trás a
perna direita, característica do estilo de luta dos duelistas Higoi. Masakane
toma a tradicional e mortal forma de duelo dos Date, com a arma guardada na bainha,
posição ereta, arrastando levemente a pé esquerdo a frente do direito e a mão
direita repousada com a palma aberta no cabo da espada, como se oferecesse um
presente.
Após se encararem por um instante, medindo as forças um do
outro eles começam. Mazakane saca primeiro e corta Muzubushi no peito na altura
do ombro, cortando os dois braços. O golpe de Masakane deixou Muzubushi sem
força nos braços fazendo seus golpes de retaliação fracos e fáceis para
Mazakane aparar. Muzubushi aplica um forte golpe contra Masakane, que corta
parte do enfeite de seu elmo fora e o fere no ombro, sua arma terminando
cravada firmemente no chão, Muzubushi falha em retirá-la com velocidade devidos
aos ferimentos e cansaço. Masakane aproveita a chance e desfere um terrível golpe
contra Muzubushi, que só não o matou pois ele levantou o ombro para o sode da
armadura lhe proteger, mesmo assim o golpe rasga-o terrivelmente no rosto.
Finalmente Muzubushi, já cansado e sem forças, baixa a guarda e murmura uma
curta prece a seus ancestrais. Masakane apenas lhe dá tempo suficiente de
terminar a prece e, olhando nos olhos do famoso senhor Higoi Muzubushi, o
elimina com um preciso golpe.
O corpo do senhor de Toshi no Higo tomba diante
do esconderijo da pequena dama, sangue de seu pai se mistura com as lagrimas
silenciosas nas bochechas da garotinha.
- Prometi que deixaria sua família em paz. Masakane fala
para o moribundo Muzubushi. - Mas não haverá paz para nenhuma carpa que não se
ajoelhe diante dos Date, terei que pegar sua mulher como refém. Após falar isso
olha para Mayumi com olhos frios como gelo. - Soube que tem uma filha, onde ela
está?
Mayumi dá alguns passos para traz e saca uma fina aiguchi
oculta em seu obi, mantendo-a estendida entre ela e o comandante Date.
- Você
prometeu que deixaria os Higoi em paz...
- Isso não é possível. Retruca Masakane, o motivo de tudo
isso são os Higoi. Vocês devem lealdade aos Date e no entanto se rebelam, você
e sua filha são necessários para atingirmos a paz, você como refém será o
suficiente para seu primo finalmente se decidir em renovar seus votos ao clã
Date.
Só de pensar em Higoi Ooshibu, o autor do cisma de sua família traz nojo
ao comandante Date, mas ele não demonstra isso. Masakane vê a postura de Mayumi
e decisão nos olhos da jovem mãe, decide se aproximar com cautela para que ela
não faça algo precipitado e force-o a se defender.
- Agora...onde está sua filha?
- Nunca fomos dos Date, e nunca seremos!
Com isso Mayumi
vira a mortal lâmina de seu Aiguchi contra seu próprio pescoço e rasga sua veia
direita. Masakane observa impotente ela cometendo Jigai e sua vida se esvaindo.
Ele começa a correr em direção a Mayumi que mesmo morrendo se esforça para se
manter dignamente em pé, Masakane alivia sua dor aparando-a nos próprios braços
e assiste a vida da bela Mayumi fugir de seus olhos. O comandante Date repousa
o corpo da senhora de Higo no Toshi no chão e toma um momento para se recuperar
da dramática cena. Este momento foi necessário para se convencer que a morte
deste honrado casal era necessária para a glória dos Date, o fato de que ele
acabara de colocar um cão roliço e sem honra como líder dos Higoi era mera
consequência.
- Achem a garota!. Masakane ordena para os demais samurais.
Higoi Ooshibu não se renderá enquanto não souber que todos seus primos foram
lidados, quero que tragam-na viva para mim! Chega de mortes!
Masakane não queria que aquilo terminasse assim, Muzubushi
teria que morrer de qualquer forma pelo perigo que ele representa vivo e pelas
várias mortes que ele promoveu contra os Date, mas Mayumi era uma legitima
dama, não merecia morrer assim, se ela tivesse aceitado se tornar refém junto
com sua filha isso seria o suficiente para os Higoi cessarem as hostilidades e
Ooshibu teria que conviver com isso, mas preferiu o caminho de uma morte
honrada. Quantas mortes são necessárias para se satisfazer a honra? Com a morte
dos dois, com certeza o velho carpa asqueroso ficará feliz. Agora, tudo que
está entre Ooshibu e a liderança total da família Higoi era uma pequena
garotinha. Ooshibu faria de tudo para
tirar a vida da pequenina e ela em seus cuidados certamente teria um fim que
ninguém poderia jogar a culpa no monstro sovina. Mas se a garota sobrevivesse
e, de alguma forma ficasse longe das garras do velho, ele ia fumegar de frustração
pelos restos minguantes de sua vida. E nada traria mais prazer a Masakane do
que fazer Higoi Ooshibu sofrer.
Mas como resolver essa situação? Se a pequena dama se tornar
um refém ela iria direto para Ooshibu que com certeza daria um jeito de mata-la,
e isso significaria sangue inocente nas mãos de Masakane, deixá-la em paz, como
prometera seria manter a fagulha da rebelião acesa e isso também seria
inaceitável. Masakane tinha um dilema para resolver, e ele não via nenhuma
saída nobre. Mas uma coisa era certa, primeiro deveria encontrar a garota.
Enquanto isso a pequena Muzumi se esconde no piso falso. A
visão de seu pai logo alí morto a assombra ao mesmo tempo que se esforça para
não gritar, seu rosto é banhado por lagrimas e sangue e assim ela fica no
escuro, apenas esperando a chegada do silêncio.
Glossário de Termos:
Aiguchi: Uma fina adaga que pode ser facilmente escondida
nas vestes do usuário, comumente usada por mulheres e assassinos.
Kataginu: Vestimenta parecida com o Haori. O Katagino é
usado por cima do kimono ou armadura e possui ombreiras exageiradas e
triangulares, dando um aspecto de ombros largos ao usuário.
Kiai: Grito usado em conjunto com um golpe marcial. Muito
utilizado nas artes marciais, como o Karate.
Sode: Peça de armadura com a finalidade de proteger os
ombros e costas do usuário.
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Parte 4