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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A Dama da Espada - parte 6.


Mizumi não sabia se havia sido capturada ou se havia sido salva, o gesto não violento da última pessoa que viu lhe tirou toda a vontade de lutar e se entregou ao cansaço.

Acordou num sobressalto dolorido, seu corpo inteiro estava duro e insensível, faixas, ataduras e emplastros a cobriam pelo corpo todo, duas crianças, um menino e uma menina, a observavam com olhos bem arregalados. Mizumi tentou se levantar apenas para sentir uma forte dor na perna. "A onna-sama deveria permanecer descansando", disse a menina de cabelos negros amarrados num rabo de cavalo pequenino e infantil, o garoto, que pela aparência só podia ser o irmão da menina, aparentava ter a mesma idade (Seriam gêmeos?). Ambos possuíam o mesmo penteado, os mesmo olhos castanhos quase do mesmo formato, a diferença dos dois é que um usava roupas masculinas e a menina usava roupas femininas. O irmão se colocou de pé e correu para a porta do simples quarto em que se encontravam. "Misako-chan, não deixe ela mover nem um dedo, vou chamar nossa mãe!"

O menino fecha a porta e desaparece. Um curto tempo se passa, quando uma mulher de meia idade que obviamente se preocupa com aparência como indica seu elaborado penteado e uma discreta, mas bem aplicada maquiagem entra no quarto ajudando uma senhora de muita idade, com o rosto todo enrugado e olhos bem apertados no cenho. Sua boca faltando dentes se movimenta como se estivesse falando sozinha, sua postura encurvada e o peso que ela joga em uma bengala e no ombro da outra mulher indicam que ela possui grandes dificuldades de andar sozinha.

 Mizumi agora se lembra da mulher mais nova, que falou para ela que lhe colocaria a salvo e entendeu que aquela conversação realmente ocorreu e que agora deveria estar dentro da casa dela. Isso significava que ela estava entre amigos, mas também que eles corriam grande perigo a abrigando. Antes de algum membro da família falasse alguma coisa, Mizumi ignora as dores e a forte febre ao se sentar na cama.

- Não tenho palavras para agradecer o socorro que me prestaram e a calorosa hospitalidade – Fala Mizumi meneando a cabeça em agradecimento. - mas não posso ficar mais nenhum minuto aqui, pois minha presença coloca a vida de vocês em perigo, e não posso permitir isto.

A velha senhora se desvencilha de sua filha e a empurra para dentro do quarto, em um movimento desequilibrado, ela se segura no batente da porta, a bloqueando, enquanto crava firme a bengala no chão.

- A não ser que você derrube uma velha senhora no chão, você não irá para lugar nenhum! - Exclama a velha senhora com um humorado olhar desafiador - Heh! Seria divertido ver uma mulher quase morta tentando derrubar uma velha senhora que mal pode andar! Mas chega de bobagens! Responda-me uma coisa, você é a Pequena Dama, Higoi Muzumi?

Mizumi percebe que a velha não tem mesmo intenção de sair da frente da porta, a menina a segura na perna e a olha suplicante para relaxar, o garoto está atrás da velha, observando-a, e parece que também tem intenção de não deixar passa-la. A mulher está arregaçando as mangas, como se preparasse para ação. Mizumi nota também os curativos no corpo (um deles já se avermelhando pelo esforço que ela fez para se sentar) e que ela está limpa e seca. Parece que aquelas pessoas se deram ao trabalho de banha-la e tratá-la, sem sequer ter certeza de quem era ela. O mínimo que ela poderia fazer é saciar suas curiosidades e permanecer na companhia deles, se eles assim quisessem. Pelo menos até ela os convencer do perigo que passam a abrigando lá.

- Muito bem - A ronin aquiesce com um balançar da cabeça - Me chamo Mizumi, e não sou essa Higoi Muzumi que dizem. E o mais importante, não sou dama, quanto mais pequena. Mas agradeço muito pelo que fizeram por mim, mas temo que tenham se arriscado por alguém que não é quem vocês pensam, não sou senhora de ninguém a não ser de mim mesma e esta cidade não deve nada a mim, me desculpem!

Todos no quarto parecem confusos, menos a velha, que não parecia convencida.

Mayuki
- Kah, Kah, Kah! - Cacareja a velha - É claro que você não é mais Muzumi, porque uma mulher crescida como você ainda teria este nome de criança! E é claro que você não é mais uma senhora Higoi! Aqueles Date sem honra tiraram isto de você! Mas você não me engana, seus olhos não me enganam! Pois sou Yuki, a dona do pátio de Kemari que agora está ocupado por quatro homens dormindo, a mesma mulher que agora é chamada Obayuki e que ajudou a parir todas as crianças daqui, inclusive você, garotinha! Então tenha um pouco de respeito e pare de tentar me enrolar, se a cidade não deve nada a filha da família mais amada por aqui, VOCÊ me deve por estes cabelos brancos de tanto vir para meu pátio sem conhecimento de seus pais! - A velha se inclina perigosamente para frente, mas sua filha a ajuda a encontrar os pés. - De qualquer forma, você ficará aqui até se recuperar, este quarto era a antiga oficina de meu marido, ninguém mais vem aqui em baixo, se alguém procurar por você aqui não irão achar nada, então descanse que você está segura! Esta aqui é minha filha, Mayuki, a doce menininha que não se separa de você é Misako e este diabinho que mora no meu coração atrás de mim é Koi.

Mizumi está sentindo frio, muito frio e sua cabeça fervilha de preocupações. Aquela é Obayuki! A doce velhinha que a deixava ficar em seu pátio - pátio que agora tem quatro samurais inconscientes, se não mortos, em frente a casa da família dela. Mizumi percebe em meio a sua febre que não tem tempo de tentar convencer aquela família a deixa-la ir, pois logo irão vir procura-la e aquela família iria pagar se ela fosse encontrada lá. Mizumi já ia esboçar sua linha de pensamento (que agora se repete e se confunde em sua cabeça) quando um som lá fora chama sua atenção, parece ter sido uma pancada. Mizumi se põe de pé em um salto.

- Preciso ir! Me desculpem, não quero lhes fazer mal! Me deixem ir!

Mas ela está tão fraca e febril que apenas a mulher Mayuki consegue lhe impedir, lhe agarrando pelos braços, a menina Misako a segura por uma perna. Mizumi se sente cada vez mais esquisita, o rosto discretamente maquiado de Mayuki roda em sua frente e de repente tudo fica escuro a sua volta.
Obayuki esperava que a garota tivesse a resistência e a decisão dos Higo, por isso alertou sua filha para se preparar para contê-la lá. Após Mizumi desmaiar de febre, Obayuki ordena que Mayuki trouxesse ensopado e que Mizako trouxesse água. Obayuki se senta em frente a convalescente garota e abre sua bolsa de medicamentos que carrega consigo. Separa os ingredientes necessários para fazer aquela febra baixar e começa a trabalhar, quando todos ouvem alguém bater na porta. Uma voz estranha vinda de fora ecoa abafada até o porão da casa.

- Olá, bom dia! Alguém em casa pode me deixar entrar?

Mayuki chega com o ensopado com o rosto contorcido de preocupação, ela fala meio que sussurrando meio que gesticulando para a mãe.

- Tem alguém lá fora! E ele me viu!

- Então vá para lá e atenda! Faça com que ele vá embora! Retruca a velha Obayuki sem tirar os olhos de seu trabalho.

Mayuki está muito nervosa, quatro samurais estão lá fora mortos ou muito feridos, e certamente este estranho viu os corpos! Para piorar as coisas eles abrigam a fugitiva que escapou de uma execução e derrubou aqueles soldados! Mayuki tenta se acalmar e vai ter com o estranho homem, ela fará o melhor que ela puder para fazê-lo ir embora sem levantar suspeitas, que seus anos como Maiko compensem agora!

Glossário de Termos:

-chan: Sufixo carinhoso usado com mulheres e crianças. Significa algo como querido ou “-inho”, “-inha”.

Kemari: Jogo de bola muito popular em Ryuu-Tazai.

Maiko: Aprendiz de gueixa.

Onna: Termo de tratamento para mulheres, algo como senhora ou senhorita.

-sama: Termo de tratamento usado como sufixo que indica respeito a uma autoridade ou a um superior.

Parte 5