Como todos sabem...

Licença Creative Commons
Todo o conteúdo escrito deste site é obra de Igor Lins e é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A Campeã da estrela do Norte, parte 02

 2. Senhores da Guerra 



Quando criança eu brincava com meus irmãos de Senhores da Guerra, era um jogo que toda criança Uthgardt da tribo da Grande Serpente brinca, funcionava assim: as crianças das famílias se juntavam em grupos e lutavam entre si por um território, todos usavam essas faixas coloridas em volta da cintura, que eram amarradas da melhor forma que você pudesse amarrar. Se você perder ela você estava morto. Apesar de ser um jogo de criança, nós levávamos bem a sério e ele nos preparava para a vida adulta, de guerreiros. Eu e meus irmãos ficávamos todos no nosso grupo e quando digo todos, eram todos, desde nosso caçula o Leif, que nasceu depois de chegarmos da nevasca que quase me matou, até eu, que sou mulher. Era raro mulheres brincarem nesse jogo.  

- Sua irmã vai participar?  - Perguntou Balder, um dos garotos que brincava contra nós a Dounir, que era quase sempre o líder do nosso grupo. 

- Estamos precisando de mais um, ela é mais uma. - Respondeu ele como se ele tivesse perguntado algo bobo. Balder piscou, como se não estivesse entendendo a língua que meu irmão falava e disse: 

 - É Senhores de Guerra, não Senhoras de Guerra! 

Meu irmão riu alto e perguntou:

- Está com medo da minha irmã agora? É por isso que você olha esquisito para ela e não a encara quando ela encara você? 

Balder ficou tão corado que eu me preocupei que ele tivesse sido atingido por uma lufada de vento que eu não senti.  

- Claro que não! Mas eu não vou bater nela! 

- MAS EU VOU BATER EM VOCÊ! - Eu falei alto. Eu já era bem grandinha, mas bem magrinha e com uma cabeçona, mas minha voz já era bem alta e eu tinha confiança em mim porque sempre brinquei de luta com meus irmãos.  

Balder olhou para mim bem ofendido, seus lábios tremeram e ele saiu correndo. Meu irmão riu bem alto.  

Havia mais dessas opiniões, contra mim e contra o Leif. Mas nem eu nem meus irmãos se importavam, eles já estavam acostumados comigo e eu com eles. Nós sabíamos o que cada um podia fazer e confiávamos um nos outros. Eu nem reparava o quanto os outros meninos fora do meu grupo se ressentiam de mim.  

Éramos o grupo mais respeitado e o mais temido. Ainda bem que existia o Couldourn e o Balder, eles eram loucos e gostavam de competir conosco. Não é preciso ser irmãos para se formar um grupo, o grupo de Couldourn e do Balder eram prova disso, o grupo deles era formado por crianças de famílias mistas, eles gostavam de ter só os melhores. Mas “melhor” para eles era maior, mais velho e mais forte. Para nós não. Dounir nos ouvia a todos e por isso ele buscava também pelos espertos, pelos ágeis, pelos pequenos e pelos sabidos.  

Como já devem ter notado, nosso grupo também não era só nós seis irmãos, quando surgia a oportunidade de uma brincadeira em grande escala, como um ataque grande ou uma defesa dura, alguns grupos se fundiam e recrutávamos crianças que de outra forma nem teriam chance de fazer parte da brincadeira. Teve uma vez que os Dermin chegaram a ser quinze para atacar o valinho do pinho verde, eram uns doze defendendo. Tínhamos alguns entre nós que ninguém dava nada, eu e Leif inclusos, mas isso também é bom porque o inimigo subestima e se distrai, e aí nós nos tornávamos o verdadeiro perigo. E quando eles nem percebem, Leif, que todos estavam ignorando está com a bandeira deles capturada! 

De qualquer forma éramos o grupo mais temido e respeitado do jogo, e quando era para decidir onde seria o jogo e quais seriam os objetivos da brincadeira, nossa palavra era a final.  

Uma vantagem que nós tínhamos sobre os outros é que nós levávamos o jogo para um patamar maior de seriedade, estudávamos o território e suas características para tirar o melhor proveito deles. Por exemplo, muitos tem medo de entrar na taiga, porque o chão é traiçoeiro, e buracos podem se abrir debaixo de seus pés! Além de terem bichos como lobos. Mas Beladas descobriu uns tuneis que poderiam ser usados para flanquear o inimigo. Perseguidores viam a gente sumir na floresta e reaparecer do outro lado! 

Outra era a caverna subterrânea do lago congelado, havia muitos ursos por lá, mas nós não tínhamos medo deles, porque sabíamos afastá-los, o segredo Beladas sabia, madeira de pinho verde, que faz muita fumaça quando queima. A caverna era nosso quartel secreto, era lá que nós ficávamos do sol a pino até um pouco antes do por do sol contando histórias e planejando a próxima aventura, lá também que estocávamos tudo, incluindo comida e madeira de pinho verde – que também é ótima para defumar carne, mas não pode exagerar, porque se faz mal aos ursos, imagina para nós!  

O lago congelado tinha esse nome porque ele quase sempre era coberto por uma camada de gelo. Essa camada podia ser fina ou grossa. No inverno nem é possível ver ele, porque ele fica debaixo da neve. Mas é um lago bem grande, era um mar para nós. Havia muitos ursos lá e ninguém ia por causa disso, só os pescadores. Mas Beladas aprendeu com os pescadores que os ursos gostavam de lá porque tinha muito peixe, pois peixe gostava de dormir e botar ovos debaixo de gelo. Então Dounir nos liderou para conquistar aquilo. E o jogo lá foi um dos mais memoráveis! A diversão era porque podíamos usar equipamentos, como esquis e raquetes então um grupo atacava pelo mar, com os esquis e os defensores defendiam a terra. Se todos os invasores estivessem fora do gelo ganhavam. O defensor só vencia se todos os invasores perdessem suas faixas. Os pescadores acharam que éramos loucos por estarmos brincando lá! Kant não foi pois estava doente e mais tarde os adultos nos proibiram de repetir a brincadeira no lago congelado. 

Outro ponto muito importante, mas não secreto era o toco velho, o toco velho é uma grande árvore que secou e caiu, ficava em Lureskog e a gente tinha construído um forte lá, era só um amontoado de madeira e pregos com escadinhas de pedra empilhada e uma passarela baixa, mas que passava a altura de um adulto, e o toco velho claro, servindo como a parede de trás, era uma defesa formidável para uma criança. Era de longe o lugar mais popular para a brincadeira, e nós tínhamos uma vantagem lá, porque fomos nós que construímos aquilo, então era nosso. E quem quisesse usar deveria pedir permissão a um Dermin. 

Já falei que os adultos nos proibiram de brincar no lago congelado, mas nós éramos crianças, e crianças bem arrogantes, então brincávamos lá secretamente, íamos quando os pescadores iam embora, no pôr do sol, fazíamos algumas fogueiras de pinho, para afastar os ursos e brincávamos por lá. Mas os dias de brincadeira do grupo Dermin estavam para acabar e o que começou com uma brincadeira terminou numa luta por nossas vidas. 

Dounir, Beladas e Kant iam na frente. Como eles eram mais velhos, eles iam ajudar os pescadores na pescaria enquanto nós ficávamos esperando Balder, Couldourn ou os dois para avisarem quando podíamos nos aproximar. Nesse dia eu estava ajudando minha mãe na fabricação de umas jóias.  

As jóias eram complicadas de se fazer, quero dizer, se precisa de paciência. Era preciso moldar dois pedaços de argila com padrões sagrados, como espirais, entrelaçados, nós, animais... Juntar eles e esperar secar. Depois se devia pegar o cobre, ou a prata, que já estavam derretidos dentro de um pote gigante de barro bem quente e despejar no molde até vazar. Daí era só esperar tudo secar e quebrar o molde. 

Era muita espera, e eu estava esperando mais Couldourn me chamar do que a jóia ficar pronta quando ví Couldourn e o bando deles correndo entre os arbustos, eles nem pararam para me chamar, e fiquei ofendida, e um pouco ansiosa, porque eles corriam com medo. Então apareceram da neblina dois pescadores correndo. Então meu medo se intensificou, imaginando que eles pegaram meus irmãos.  

Mas tinha algo errado, os homens pareciam que haviam corrido o caminho inteiro sem parar, seus rostos estavam vermelhos, seus olhos esbugalhados, suas narinas dilatadas e um forte vapor saia de suas bocas quando eles gritavam: 

- Worgs! Worgs estão atacando!  

Ursos eram um problema no lago congelado, mas com os cuidados certos era possível afugentá-los. Lobos eram mais ariscos, mais ousados, porém os lobos de Lureskog aprenderam a muito a não se meter conosco. Mas worgs, worgs eram outra coisa. Estes lobos gigantes não têm medo de nenhum homem e são cruéis. Eles não precisam de motivos para matar e caçar, eles fazem isso porque sentem prazer em ver o sangue tingindo o solo de vermelho. Mas eles não são comuns nessa região, eles são mais comuns no Portão da Ferida do Mundo, por isso todos demoraram para entender que aqueles homens que não paravam de berrar por ajuda estavam muito sérios.  

Então entendi por que Couldourn e seu bando fugiu e temi de verdade pelos meus irmãos, porque eles estavam lá.  

- Mamãe! Meus irmãos estão pescando no lago!  

O Saeven me disse que eu tenho que colocar mais emoção no que eu escrevo, mas eu não sei fazer isso. Não consigo descrever o quanto meu sangue gelou naquele momento, o quanto meus olhos lacrimejavam, mas eu não chorava, porque estava apavorada demais para chorar. Não consigo descrever o pavor que senti em perder todos meus irmãos e ficar sozinha no mundo – eu e Leif, que era uma criança de sete Nightals e que não aguentou a espera e já dormia. Eu não consigo pôr no papel essas coisas, mas ele sabe como eu me senti, porque eu falei para ele e ele viu nos meus olhos. 

Minha mãe parecia que já sabia, porque ficou pálida assim que os homens apareceram. Ela correu para chamar o meu pai que logo entendeu a situação e chamou seus homens. E outros pais chamaram seus homens e os pescadores se armaram. E logo, muitos guerreiros da tribo estavam armados de lanças e tochas, facas, machados, espadas e escudos e prontos para defender nossos filhos que corriam perigo. Minha mãe pegou sua lança e queria ir.  

-Você não Muiren! – Meu pai disse a ela. 

- Sou lanceira, também vou! – Ela respondeu. 

- Fique aqui que é mais seguro, eu irei buscar os outros. 

- Eu irei também! Eu sou a mãe deles!  

- E se falharmos? Quem irá defender Leif e Serena? Quem irá coordenar a defesa?  

- Eu defendo o Leif! – Eu falei, ou acho que falei, mas fui ignorada.  

Minha mãe aquiesceu, mas disse que ele deveria voltar com meus irmãos. Eu queria ter dito o mesmo, mas percebi que eu era só uma criança impotente naquela noite. 

E foi no Lago Congelado onde aconteceu a batalha, onde Kant fora pescar como menino e morrera como guerreiro, onde Beladas e Dounir provaram o porquê de todos dizerem que um dia eles seriam grandes guerreiros e sobreviveram junto aos demais pescadores até serem resgatados pelos reforços. Mas muitos morreram naquela noite. Dounir tinha 16 Nightals, Kant e Beladas tinham 15, eu 11 e Leif 7. 

Os worgs não vieram sozinhos, eles foram trazidos por Feanurd, um Jarl Jötunn, um senhor da guerra gigante de gelo. Ele veio porque soube que nosso chefe estava longe e desceu para nos saquear achando que seriamos presa fácil. Ele trouxe junto seu bando Jötunn e seus worgs. 

Jötunns são o maior perigo da Espinha do Mundo, pior que eles apenas uma horda orc ou um Dragão antigo. Eles são muito altos, medindo três adultos empilhados e são muito fortes, quase tão fortes quanto Bestas-trovão, que eles às vezes usam como montaria. Eles são cruéis e terríveis, mas são covardes, atacam apenas quando tem certeza de uma vitória fácil. E nós parecíamos uma vitória fácil, porque muitos de nossos guerreiros acompanharam nosso chefe Bardawulf Coração Duro para um conselho com os Corvos Negros, que roubaram de nós e não queriam admitir.  

Mas Fearnud teve uma surpresa, seus worgs não conseguiram quebrar a formação dos pescadores há tempo, pois Dounir, Beladas e Kant conseguiram discipliná-los a ficarem em um círculo defensivo no meio do lago e ele e seus Jötunns estavam com medo de pisar no lago e rachar o gelo com seus pesos e afundarem. 

Quando meu pai chegou com os reforços, os Worgs desistiram da emboscada e se juntaram aos gigantes, que começaram a contornar o lago para pegá-los. Mas eles foram espertos e não ficaram para lutar, no lugar recuaram para a segurança da tribo.  

Minha mãe junto com Gweshen, a filha de Bardawulf e outros adultos que ficaram para trás reforçaram nosso acampamento como puderam. Gweshen é uma mulher formidável. Ela era jovem, apenas 17 Nightals, mas era a cria mais forte de Bardawulf Coração Duro. Seu outro filho era um homem pálido e fraco que conversa com os espíritos e os deuses depois de um acesso de tremedeiras, onde ele fica rijo e babando, depois volta de novo a si com mensagens dos deuses. A mãe de Gweshen morreu não faz muito tempo num parto de um menino que já nasceu morto. Então Gweshen era a aposta de nosso chefe para manter sua linhagem no poder, por isso que ela era forte. Mas mesmo assim éramos poucos que realmente sabiam lutar – mesmo se você contasse com a volta dos guerreiros que saíram ao resgate.  

Mas então elas vieram, as Guerreiras de Gwynharwyf¹ ou da Estrela do Norte como vocês civilizados a conhecem. Eu já havia ouvido falar delas e as admirava. Elas usavam capas brancas e armaduras prateadas, usavam elmos decorados e carregavam lanças, arcos, espadas, clavas e escudos, além dos lendários grandes sabres curvos. Elas sempre apareciam para nos proteger quando mais precisássemos, e lá estavam elas, comandadas por Elenira, com sua cabeleira loira trançada em mil tranças e seu grande sabre curvo apoiado por sobre o ombro, a líder das Guerreiras tomando frente de todas. Daí eu fiquei feliz, mas não Gweshen. 

- O que fazem aqui, por que não estão com meu pai? - Perguntou Gweshen a Elenira. 

- Elrem, o Sábio mandou vigiarmos as montanhas. Avistamos os gigantes e viemos ajudar. - Respondeu Elenira. 

- Só assim para você desgrudar de meu pai, não é? Sua cadela.  

Na época não entendi por que Gweshen falou aquilo para Elenira, na minha cabeça de criança foi algo muito grosseiro para se dizer para uma heroína. Hoje eu sei mais, mas ainda não concordo.  

Meu pai voltou com Dounir e Beladas e os demais sobreviventes e se somaram às defesas. Eu só podia assistir, indo sempre checar o Leif que dormia como se nada estivesse acontecendo. Fiquei triste ao não ver Kant, mas não pensei o pior naquele momento, porque os gigantes estavam chegando. 

Estava agora no meio da noite, nosso acampamento todo foi recuado para a área mais elevada e perto da taiga, para caso precisássemos fugir por lá e para termos uma defesa natural. A neblina natural da noite parecia muito assustadora e sinistra, como se a natureza também fosse um inimigo, porque era. Neblina nunca atrapalhou os Jötunns que conseguem enxergar por cima delas.  

E então ouvimos os gritos de guerra dos Jötunns. A voz deles é grossa e lembra o barulho que pedregulhos rolando uma montanha fazem no meio de uma tempestade. Sua língua soava como o estalar de um trovão enquanto proclamavam desafios e nos chamavam de covardes. Então as pedras começaram a cair. 

Pedras enormes, do tamanho de adultos, pedras de rocha e de gelo, alguns troncos também, sendo arremessadas por cima de e contra nossas fortificações, vindas do nada, se materializando através da neblina. Se você prestasse atenção, era possível prever quando uma iria cair ouvindo o grunhido de esforço dos gigantes ao jogá-las. As primeiras caíram com grande eficiência, assustando, ferindo e matando muitos. Éramos muitos, mas a maioria eram pescadores, lenhadores, caçadores e mineradores, sendo poucos guerreiros. Esses se assustaram e gritavam e queriam fugir.  

Eu ouvia meu pai xingar eles de covardes, ouvia Elenira amaldiçoar cada um que saia para fora longe das fortificações. E as pedras continuavam a cair. Vi uma bem grande cair em cima de um homem e ele sumir embaixo dela. Apenas uma cor rubra no solo preto denunciava que ele estava lá.  

Foi quando ouvi a voz do meu irmão retumbar tão alta quanto a dos gigantes, chamando atenção de todos.  

- Até ontem eu era uma criança! Mas hoje me tornei um homem porque tive que me defender sozinho desses monstros! Vocês querem mesmo fugir e arriscar o mesmo destino para suas crianças? 

Isso fez muitos deles pararem e se envergonharem de sua covardia. Então Gweshen falou: 

- Vocês podem não entender de guerra, mas entendem de caça! Para se pegar um peixe debaixo do gelo, se assusta ele para que ele nada até o buraco! Para se pegar o antílope escondido na floresta, se assusta ele até a armadilha, e para se pegar um homem protegido se assusta ele para longe das fortificações! Os Jötunns não avançam porque querem que fujamos para nos pegar um a um! Não somos peixes, não somos antílopes, somos Uthgardt! 

Gweshen pode ser uma mulher, mas ela tinha uma voz rouca e forte, como seu pai, os cabelos pretos grossos, presos em tranças e trajando uma byrnne² bem feita e um elmo de ferro moldurando seu rosto corado sem demonstrar medo nenhum. De longe, ninguém dizia que ela era uma mulher, e sim uma senhora de guerra. Com isso todos estavam convencidos, tomaram coragem e voltaram, mesmo com as pedras ainda caindo.  

Os gigantes parecem que se frustraram, porque não fugíamos e mandaram os worgs para cima de nossas solapadas defesas.  

Meu irmão Dounir mesmo jovem e inexperiente liderou um bando para combater os worgs. Os lobos vinham com desejo de sangue, mas eles são bons ao atacarem no aberto e circulando, não são bons contra uma fileira fechada e fortificada de lanceiros. Os que conseguiam circular ou pular as fortificações causavam estragos, mas eram vencidos pelas Guerreiras de Gwynharwyf e seus grandes sabres. Havia outros, claro. Mas as guerreiras de Gwynharwyf me encantavam, pareciam espíritos sobrenaturais lutando com selvageria e beleza. Um gigante estava perto o bastante, instigando os worgs ao ataque, seus dentes brilhantes reluzindo com o brilho de nossas fogueiras. Gweshen aproveitou a chance e arremessou uma lança contra ele, acertando dentro de sua boca! Ela ia jogar outra, mas um worg mordeu sua mão e foi logo morto pela sua guarda.  

Os worgs tem medo dos gigantes, mas também são inteligentes e notaram que era inútil continuar nos atacando e começaram a fugir. Isso abriu caminho para atacarmos os gigantes e as guerreiras de Gwynharwyf e os caçadores começaram a salpicarem eles de flechas, alguns tentaram avançar, outros tentaram jogar pedras, mas estávamos muito bem colocados e eles cansaram de serem espetados e recuaram. Todo nós comemoramos e alguns até começaram a zombar de Feanurd. Quando, da escuridão e da neblina, ele gritou com sua vóz rouca que lembrava o barulho de uma avalanche. 

- Riam enquanto podem! Riam de seus caídos e de seus moribundos! Pois vocês estão acabados! Elrem, o Sábio, está morto e frio e vocês estão acabados! Bardawulf Coração Duro e seus guerreiros estão destroçados na lama e vocês estão acabados! O inverno vai ser o mais cruel de todos e vocês estão acabados! Ninguém dará comida a vocês e vocês estão acabados! E eu, Jarl Feanurd domador dos Worgs voltarei em maior número para destroçar o que sobrar de vocês e vocês implorarão para fugir gritando de suas vidas miseráveis e aí estarão acabados! Os Uthgardt da Grande Serpente sairão desse mundo desgraçados e esquecidos. Então riam enquanto podem, seus vermes insignificantes! - E se foi.  

Só havia um silêncio gélido entre nós. Elrem era o xamã protetor da tribo, um xamã sábio e de grande poder que vivia na Caverna da Grande Serpente e que podia assumir a forma de um dragão. Ele já existia quando o mais velho dentre nós havia nascido e era ele que nos abençoava com sua sabedoria nos avisando quando e para onde migrar, onde o clima estava mais brando e a caça e coleta mais farta. Ninguém de nós imaginava a existência da Tribo da Grande Serpente sem ele, mas agora ele estava morto. Bardawulf Coração Duro, nosso líder havia partido para um conselho com os traiçoeiros Corvos Negros com muitos guerreiros e agora estava morto. Se eles estavam mortos então estávamos mesmo acabados. Alguns começaram a chorar. Gweshen não chorou, no lugar olhou com ódio para Elenira. Eu também chorei. Me lembro que o Leif havia acordado e também chorava muito assustado com todo o barulho. Fui lá abraçar ele e chorar junto. Lembro que estava sentindo tanto frio que tremia, mas Leif estava quentinho então abracei ele mais forte. Eu odeio o frio.  

Gweshen teve a mão devorada na batalha que foi substituída por uma mão de ferro. Ela acabou se tornando a nova líder da tribo, mesmo sendo mulher por decisão da tribo. Ela passou a ser chamada de Gweshen Mão de Ferro. 

O irmão de Gweshen, Themrim, O Pálido, era pupilo de Elrem e se tornou o novo xamã protetor.  

Meu irmão Dounir se provou um grande líder, e recebeu o comando de um bando de guerreiros só dele. 

Meu irmão Beladas se provou um grande estrategista, ele ganhou uma cicatriz feia nos lábios, e passou a usar um grande bigode para cobri-la.  

O corpo do meu irmão Kant não foi encontrado, ele provavelmente foi inteiramente devorado pelos worgs. Enterramos seus pertences junto com meu irmão, Culmin.  

1. Gwynharwyf também conhecida como Estrela do Norte é uma entidade divina que é a guardiã e mãe dos povos fronteiriços. Ela é também o braço armado de Selûne – a deusa da lua. E sua aparência é de uma mulher grande e musculosa, de pele brilhante e longos cabelos selvagens cor de prata. Ela se veste em trapos que lembram uma aurora boreal e se locomove através da nevasca, da neblina e da tempestade. Sua arma é um grande sabre curvo. Gwynharwyf é o totem protetor das Guerreiras de Gwynharwyf, que são uma força de elite composta apenas de mulheres vindas de várias regiões das fronteiras do norte, mas principalmente das tribos Uthgardt. Elas ajudam na proteção, caça e coleta e em troca recebem alimentos e materiais para poderem viver.  

2. byrnne é uma camisa ou camisola feita de anéis entrelaçados de ferro ou cobre forrado com um gibão de peles por baixo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário